As Cinzas da Quarta-feira

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Dom Lindomar Rocha Mota

Bispo de São luís de Montes Belos (GO)

 

A Quaresma inicia-se com Cinzas da Quarta-feira, um dia importante para nós, católicos, quando iniciamos um período de 40 dias de penitência e reflexão que nos levará até a Páscoa do Senhor. É uma época em que nós voltamos para dentro de nós mesmos e nos concentramos na relação com Deus, com os irmãos e com o nosso eu mais profundo.

É um tempo de reflexão e penitência, mas também de esperança e de renovação. É um tempo para se concentrar no amor de Deus e em como podemos amar mais e melhor aos irmãos e irmãs. É um tempo para se curar o coração, e, de dentro para fora, realizar uma transformação na vida.

A Cinza é o símbolo dessa Quarta-feira que dá início a Quaresma. Ela é feita a partir das palmas usadas no Domingo de Ramos do ano anterior, depois de abençoada, ela é colocada em nossas testas em forma de cruz, enquanto ouvimos ecoar em nossos corações: “Lembra-te que és pó e ao pó voltarás”. É uma lembrança da mortalidade humana e da importância de nos concentrarmos nas coisas que realmente importam.

A penitencia voluntária, obedece aos mandamentos do Senhor que nos admoesta: “quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas; que mostram um semblante abatido, para manifestar aos homens que jejuam. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa. Tu, porém, quando jejuares, perfume a tua cabeça, e lava o teu rosto, para não pareceres aos homens que jejuas, mas sim a teu Pai, que está oculto; e teu Pai, que vê em segredo, te recompensará” (Mt 6,16-18).

Assim, na primeira ponta, voltamo-nos para Deus e para a relação íntima que devemos ter com ele. A segunda ponta da travessia diz respeito a nós mesmos. A capacidade de vivermos reconhecendo a imperfeição uns dos outros, e nos entendendo apesar delas, pois como diz o próprio Jesus: “se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celestial vos perdoará; se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai não perdoará as vossas ofensas” (Mt 6,14-15).

A quarta-feira de Cinzas é o início dessa jornada de reflexão, penitência e esperança. Um convite para uma mudança positiva que como toda jornada é longa e surpreendente.

Deste modo entenderam também grandes mestres da literatura. James Joyce, em seu Ulisses, coloca a Quarta-feira de Cinzas, como o dia em que seu personagem principal, Leopold Bloom, começa a sua marcha pelas ruas de Dublin; Dante Alighiere começa uma de suas jornadas também nesta data. Guiado por Virgílio, o poeta percorre os nove círculos do inferno até encontrar a salvação, na Divina comédia.

É uma jornada lenta e reflexiva, mas também marcada pela necessária urgência que pede a transformação do coração e da vida, pois o amor não pode esperar.