Mais um instrumento para legalizar terras griladas

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A Comissão Pastoral da Terra – CPT, diante do total desmonte nas políticas agrária e ambiental e a consonante atuação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, vem se manifestar contra mais uma tentativa de favorecer e premiar a grilagem da terra, consubstanciada agora no programa do governo federal “Titula Brasil”, que entrou em vigor no último dia 10 de fevereiro, para a titulação de áreas públicas rurais da União e do Incra por meio de parcerias com os municípios, compartilhando uma plataforma digital.

As várias iniciativas, desde o início desse governo, mostram nitidamente o incentivo aos processos de regularização fundiária para privilegiar latifundiários, grileiros de terras e empresas do agronegócio, em prejuízo dos direitos da maioria do povo, especificamente o do campo, e dos interesses da nação, ainda que pareça que estes também serão considerados.

Em 2019, a Medida Provisória 910, substituída pelo PL 2633/20, já tinha esta finalidade, como também a Lei no 13.870/19, sancionada pelo presidente, que autoriza o porte de arma de fogo em toda a extensão do imóvel rural. Ambas medidas foram rechaçadas pela sociedade nacional e internacional, diante do flagrante risco de aumentar o desmatamento e a violência no campo. Sob essa pressão, o PL foi retirado de pauta.

Mas, no final de 2020, às vésperas do Natal, foi publicado o Decreto No 10.592/20, em regulamentação da Lei nº 11.952/09, “para dispor sobre a regularização fundiária das áreas rurais situadas em terras da União, no âmbito da Amazônia Legal, e em terras do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, por meio de alienação e concessão de direito real de uso de imóveis”.

O referido decreto apresenta mudanças substanciais nos processos de regularização fundiária, ao estabelecer ações que se distanciam das previsões legais já presentes em normativas anteriores e instaura novas formas de regularização prevendo acordos de cooperação técnica entre Incra e prefeituras municipais para vistoria de imóveis e coletas de informações, compartilhando uma plataforma virtual.

O programa “Titula Brasil” se insere na política do governo Bolsonaro de paralização total da reforma agrária e da destinação das áreas públicas ocupadas por povos indígenas e comunidades tradicionais em direito deles. No âmbito da Reforma Agrária não foram criados novos assentamentos e os processos que estavam em vias de execução foram suspensos. Na realidade, há um deliberado e constante desmonte do INCRA com redução do número de seus funcionários e do seu orçamento. Em 2021, os recursos destinados à regularização fundiária, como também da educação no campo, foram reduzidos em 90%.

Além deste desmonte, ao mesmo tempo, o atual governo visa cercear a ação dos movimentos sociais que lutam pelo direito à terra. Esta luta é simplesmente criminalizada como fora da lei e qualificada como terrorista. Chega-se até a responsabilizar povos indígenas e comunidades tradicionais pela degradação ambiental, bem ao contrário da realidade.

Mesmo fazendo constar que uma das suas atribuições é a de titular áreas públicas e assentamentos, o “Titula Brasil” é ferramenta adequada para legalizar a grilagem de terras. Com este programa, quem ocupou ilegalmente uma área pública vai ser premiado com uma ágil legalização e passará a formar oficialmente o rol dos “homens de bem”. É óbvio que isto será facilitado pela parceria com os municípios, onde os que concentram a propriedade da terra são muitas vezes os que ditam as regras no âmbito local e têm sob seu controle os prefeitos por eles apoiados nas eleições.

A CPT, ao mesmo tempo em que denuncia mais esta manobra espúria, reafirma seu propósito de seguir em frente em defesa da Vida, em harmonia com a Terra, Casa de Todos e Todas, e conclama a sociedade em geral para o apoio à retomada das políticas de reforma agrária, de demarcação das terras indígenas e dos territórios das comunidades tradicionais, bem como de proteção às áreas de preservação e de reserva ambiental, fundamentais à reprodução social das comunidades locais e suas culturas diversas e ao enfrentamento da emergência climática.