Os relógios estão atrasados

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No outono do mundo experimentamos a sensação de relógios atrasados. Um sentimento de que a história avançou em sua percepção de tempo, de religião, de fatos e de sociedade; um avanço que a nossa velocidade não consegue acompanhar adequadamente.

O resultado é um descompasso entre aquilo que a história nos dá e a nossa capacidade de receber e organizar tudo sistematicamente.

No outono do mundo surgem várias propostas para ajustar a sua distribuição. Entretanto, o material é novo e estamos tentando enquadrá-lo em moldes antigos, os que conhecemos até agora.

Dizemos que os relógios estão atrasados quando o tempo caminha a frente e os ponteiros pararam de acompanhar. Ao percebermos essa anomalia adiantamos abruptamente os marcadores, na tentativa de ajustar-nos ao tempo.

Por outro lado, quando o atraso é muito grande, tendemos a retroagir os ponteiros no tentame de alcançar o ajuste desejado.

As duas ações podem danificar o mecanismo. Contudo, o ato costumeiro de retroceder parece ser mais prejudicial, pois, embora o relógio seja circular, o tempo real é contínuo. Ele avança inexoravelmente e deixa para traz tudo que não corre com ele.

O avanço do tempo já é conhecido desde Jesus Cristo, que reprova aos fariseus e saduceus a incapacidade de não saberem lê-lo, embora reconheçam elementos sutis, como a mudança do vento ou a época das tormentas, mas não sabem discernir os sinais, os verdadeiros sinais do tempo (Mt 16,4).

Ajustar os ponteiros é uma necessidade e urgência. Temos que fazê-lo quase que constantemente. A todo instante operamos pequenos ajustes, como num texto que vai se moldando até se tornar melódico e palatável. Mas agora estamos nos contornos da história.

Nos contornos da história, o adiantamento do tempo costuma ser épico, imprevisível e não muito aprazível. Mas, como tudo já está posto, não se pode parar o seu progresso.

A sensação de que seja possível retroagir é insana. Ela só atrasa ainda mais o tempo, lançando para depois a imperiosa necessidade de correção. Aumentando, assim, a distância entre o que é e o que deveria ser.

Enquanto não conseguirmos adiantar os ponteiros, uma façanha equivalente à de reorganizar a nossa visão de mundo, da vida, do futuro, do céu e da terra […], sem esperanças seguras de reconstrução, mas necessitadas de avançar, viveremos essa terrível sensação de que os relógios estão atrasados.

 

Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)