Jesus vê as pessoas

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Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)

 

Ter olhos, mas não ver; ter ouvidos, mas não ouvir, é um mal que pode nos assolar a todos. Olhar não é a mesma coisa que ver, e escutar não é o mesmo que ouvir.

Olhar e escutar são reflexos sensitivos e involuntários. Podemos ouvir e olhar, inclusive coisas desagradáveis, que pouco depois fazemos questão de esquecer.

Ver, requer olhar com atenção e interesse. Voltar-se para o objeto com admiração e afeto. Por isso, é tão agradável ver e ouvir pessoas que gostamos.

Jesus caminha com atenção no meio das pessoas. Ele as vê enquanto passa e lhes oferece uma nova condição.

Enquanto caminhava entre todo tipo de gente, Jesus viu doentes, pecadores, proscritos, ofegantes, pobres e desesperados, e a todos os enxergou com a intensidade do olhar que via a partir de dentro.

Certa vez, “Jesus estava sentado em frente ao cofre das ofertas e observava como a multidão punha dinheiro no cofre. Muitos ricos depositavam muito. Então, uma viúva pobre deu duas moedinhas. Chamando os seus discípulos, Jesus declarou: Digo-lhes a verdade: esta viúva pobre colocou mais do que todos os outros. Todos deram do que lhes sobrava; mas ela, da sua pobreza, deu tudo o que possuía para viver” (Mc 12,41-44).

A santidade da viúva não lhe passou despercebida. Jesus faz um elogio àquela pobre que retribuía mais do que podia e dava mais do que possuía, pavimentando com sua fidelidade, um caminho que serviria de exemplo pelos tempos vidouros. Essa experiência, esse modo de ver, Jesus partilha com os discípulos. Ele quer corrigir e endireitar o modo como eles enxergavam as coisas.

Um dos apóstolos conta, em primeira pessoa, como foi visto por Jesus, apesar de seu descrédito enquanto pecador público. Uma história dramática que poderia nunca ter alcançado um desfecho promissor. Entretanto, “Jesus viu Mateus, sentado na coletoria de impostos, e disse-lhe: “Segue-me!” (Mt 9,9). Um ver arrebatador que o tirou de sua condição de indiferença. E, para nos instruir, ainda mais, sobre a misericórdia de Deus, deu-lhe a permissão para escrever um dos Evangelho sobre a sua própria vida e feitos memoráreis.

Essa lembrança Mateus carregará consigo. Tempos mais tarde, ele nos relatará que: “Ao ver as multidões, Jesus encheu-se de compaixão por elas, porque estavam cansadas e abatidas, como ovelhas que não têm pastor” (Mt 9,36).

O envolvimento emocional e o arcabouço humano são necessários para ver o outro. A prática pastoral de ir ao encontro e permanecer algum tempo com os irmãos é o que permite o colhimento de tanto sentimento e necessidades do coração. Não se pastoreia de longe. A distância contradiz o próprio sentido do que significa ser pastor, pois, nesse caso, assemelha-se mais a um ladrão e aventureiro, que propriamente a alguém capaz de sentir compaixão.

A própria inclusão dos apóstolos na intimidade da missão de Jesus é resultante dessa compaixão, que Ele sentiu ao ver o sofrimento do povo. O ver de Jesus, portanto, o leva à compaixão. Produz uma mudança significativa e afeta o coração de quem o faz com sinceridade. Em outra ocasião, Mateus relatou que: “Ao sair do barco, Jesus viu uma grande multidão, encheu-se compaixão por eles e curou os que estavam doentes” (Mt 14,14).

Jesus vê as pessoas. Vê com aquele olhar fraterno de quem sempre insistiu que queria misericórdia e não sacrifício. A sua missão é caminhar no meio de nós, olhar e aprofundar este gesto, até que se aclare a visão a respeito de quem somos e do que necessitamos; até nos encontrar no cerne profundo de nossa própria vida, e, dando-nos tudo o que precisamos, ensinar-nos também a repartir e a ver.