A liberdade não se deixa manipular

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Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)

A liberdade é sábia e sabe quando está sendo manipulada. Ela Pede coerência entre três bens que se sustentam mutuamente. Liberdade de expressão para falar sem medo e ouvir sem linchamento. Liberdade de consciência para crer, duvidar e escolher com autonomia moral. Liberdade de ir e vir para circular com segurança e participar da vida pública. Quando uma dessas dimensões é sacrificada, as outras enfraquecem e a palavra liberdade perde substância.

Os clássicos ensinaram essa interdependência com rigor. Locke pensou direitos que protegem a pessoa inteira e não apenas a sua voz. Kant lembrou que liberdade é autonomia sob normas que todos podem querer, o que impede o capricho de um grupo sobre os demais. Mill ofereceu um critério exigente que recusa dano a direitos alheios. Berlin distinguiu a ausência de interferência e a capacidade real de realizar fins legítimos.

John Rawls ajuda a organizar esse campo com nitidez. Ele chama de liberdades básicas a expressão, a consciência, a participação política, a integridade pessoal e garantias do devido processo. Essas liberdades têm prioridade lexical sobre ganhos econômicos ou de eficiência. Em linguagem direta, não se trocam liberdades por promessas de prosperidade. Para desenhar regras justas, Rawls propõe que se imagine um véu de ignorância no qual ninguém sabe se estará entre maioria ou minoria, rico ou pobre, influente ou vulnerável. Sob esse véu, regras que sufocam consciência, expressão e movimento não seriam aceitas, pois qualquer um poderia terminar entre os atingidos. Rawls fala ainda de razão pública, isto é, políticas justificadas por argumentos acessíveis a cidadãos livres e iguais. Aplicado a plataformas, ruas e instituições, isso exige transparência de critérios, proporcionalidade na moderação, proteção efetiva ao dissenso e igualdade de acesso às vias de recurso.

No ambiente digital cresceu um discurso que afirma defender a liberdade e reduz tudo à emissão ilimitada de opiniões. Ele se apresenta como antídoto contra a censura e pratica intimidação de críticos, tenta capturar plataformas, pressiona tribunais e deslegitima a imprensa. Pede imunidade para si e tolerância zero para o contraditório. Invoca o povo e organiza campanhas de assédio, denúncias combinadas e boicotes seletivos. Quando é contrariado, fala em perseguição. Quando domina a conversa, cala os demais. Não há amor à liberdade nesse gesto. Há conveniência travestida de princípio.

Interesses econômicos frequentemente sustentam essa retórica. Plataformas lucram com a raiva que engaja.

Ecossistemas de influência faturam com pânico e desinformação. Setores que desejam menos fiscalização repetem a palavra liberdade enquanto atacam a associação de trabalhadores, desestimulam a reunião pacífica e pressionam consciências a se conformarem com uma cartilha. O resultado é previsível. Defende-se opinião sem limite e nega-se a livre circulação de quem pensa diferente.

A tríplice liberdade se rompe e a praça pública vira vitrine para quem compra o microfone.

Regras justas não são inimigas da liberdade. São o piso do jogo limpo. Separação de poderes, legalidade, devido processo, fiscalização independente, proteção ao dissenso e segurança para manifestações pacíficas. Transparência de algoritmos e canais de recurso claros. Educação cívica que fortalece a autonomia moral. Tudo isso é investimento na liberdade real. É a forma de proteger minorias, amparar os fracos e impedir que o dinheiro compre a liberdade. Sem essas salvaguardas vence quem grita mais alto e perde quem precisa de garantias para existir.

A liberdade é sábia e exigente. Recusa meias verdades. Pede que a sociedade sustente, ao mesmo tempo, expressão, consciência e movimento. Pede que líderes falem com responsabilidade e aceitem limites. Pede que empresas reconheçam que lucro não justifica a erosão do espaço comum. Pede que cidadãos defendam com o mesmo ardor o direito de o outro falar, crer e caminhar.

A justiça também é exigente. Não tolera liturgias da conveniência. A Estátua da Liberdade olha para a costa leste e se cansa da retórica vazia. Ela não quer morar onde a palavra liberdade serve de máscara para interesses ou arma para silenciar adversários. Procura uma morada onde as três liberdades respirem juntas, onde instituições sejam fortes, onde o dissenso seja protegido e onde ninguém precise pedir licença para existir. Esse é o pacto a renovar. Quando o fizermos, a palavra liberdade voltará a significar dignidade para todos e não privilégio de alguns.

Em última instância, a liberdade que desejamos depende da verdade. Jesus Cristo diz conhecereis a verdade e a verdade vos libertará e com isso afasta a confusão que troca desejo por direito. Nele a verdade não é instrumento de vitória sobre alguém, é luz que forma a consciência, purifica a expressão e guarda o caminho. Quem permanece na sua palavra aprende a discernir e a servir, encontra um espaço interior onde a liberdade deixa de ser grito e se torna vida reconciliada. A verdade que é Cristo ensina a falar sem ferir, a crer sem impor, a caminhar sem atropelar. Assim a cidade se torna habitável, porque ninguém precisa mentir para existir e ninguém precisa ser calado para que o outro fale. A liberdade floresce quando se inclina diante da verdade e se abre ao bem do próximo.